“No corpo do suicida encontra-se uma melodia para ser ouvida. Seu silêncio é um pedido para que ouçamos uma história cujo acorde necessário e final é um corpo sem vida” R. ALVES, 1991
O suicídio, ou violência auto-infligida, tem um caráter universal, existindo em todas as sociedades humanas já conhecidas e estudadas. De acordo com períodos históricos e sociais, vários julgamentos foram feitos acerca deste tipo de comportamento. O senso comum que o classifica como um desvio comportamental, a religião católica que o considera uma afronta a Deus, as considerações psicanalíticas que o determinam como fruto de distúrbios do humor e outras doenças mentais, principalmente a depressão, e para algumas correntes filosóficas que o entendem como ato de rompimento dos deveres sociais decaindo a suprema liberdade.
Durkheim definiu em sua obra, O Suicídio, que a violência auto-infligida poderia ser entendida como:“todo caso de morte que resulte, direta ou indiretamente, de um ato positivo ou negativo, praticado pela própria vítima, sabedora de que devia produzir esse resultado”.
A Construção Histórica do Conceito
Apesar da ideia de suícidio levar muitos de nós a um estado de completa repulsa, isto se dá exclusivamente pelo status quo de dominação da cultura judaico-cristã na sociedade ocidental. Exemplo disto são as culturas esquimó e samoana em que a violência auto-infligida é aceita e até incentivada no caso de alguns velhos e doentes. No Antigo Egito, viúvas e escravos de um senhor falecido eram forçados a se matar em um tipo de suicídio compulsório. Isto nos mostra que a reação ao suicídio depende da cultura e portanto se faz necessário um conhecimento breve sobre sua repercussão histórica.
Na grécia antiga Platão era quem defendia a tese de que o suicídio só poderia ser legítimo caso o suicida sofra por doenças crônicas, incuráveis e dolorosas que trariam a certeza de um destino miserável e humilhante. Já seu discípulo, Aristóteles, condenava todas e quaisquer variantes de auto-extermínio. No séc. II AEC, com a ascensão da legislação romana, a tese aristotélica de condenação do suicídio se tornou mais bem estruturada.
Com o cristianismo, a visão do ato suicida se tornou totalmente incoerente. A tese de maior impacto foi a de Agostinho de Hipona que condenava inexoravelmente o ato suicida. Porém, paradoxalmente ocorriam beatificações de indivíduos que o haviam cometido. Apesar da ambiguidade terna, o discurso de repúdio a este tipo de violência foi o mais impositor.
Na Idade Média o suicídio tinha mais relação com quem se matava do que a discusão moral que carrega. Com a hegemonia católica e a divulgação da filosofia judaico-cristã, a ideia vigente era de que somente Deus poderia conceder e definhar a vida.
Logo, a violência auto-inflingida seria caracterizada como uma afronta à onipotência divina e ao sentido da existência. Os camponeses que cometiam suicídio eram considerados covardes. Eles tinham seus ritos fúnebres negados, seu corpo queimado e deixado à mostra, seus familiares eram despojados e os bens confiscados pela igreja.Paradoxalmente, o suicídio de nobres era visto como um ato de coragem (como, por exemplo, após a derrota em uma batalha), amor (por exemplo, ao se deparar com um obstáculo intransponível à sua realização) ou loucura, sendo assim socialmente aceito.
Somente no séc. XVII juristas começaram a intervir contra a igreja católica a fim de evitar que parentes do suicida permanecessem na miséria após o ato suicida. Mesmo assim, a pressão católica para que a discussão sobre o suicídio não chegue ao espaço público foi reforçado pelas doutrinas calvinista, luterana e anglicana.
A Medicina somente entra no debate no séc. XVIII, classificando o suicídio como uma doença somática. Alguns defendiam o suicídio como uma doença associada à depressão e proveniente da presença de humor malancólico negro no sangue.
No iluminismo, o tema sofreu laicização e foi legitimado como umfato social, estando portanto sobre a hégida da dinâmica e discussões sociais. Apesar deste enorme ganho, suas raízes religiosas têm continuado a impregnar suas discussões até a atualidade.
A Dificuldade De Um Estudo
O estudo do comportamento suicida a níveis estatíticos é uma tarefa muito complicada, ainda mais no Brasil. Se você fizer uma análise dos dados existentes verá que um suicídio é realizado no Brazil a cada 59 minutos, porém, as considerações empíricas nos levam a aumentar ainda mais a incidência. O Brasil é um país que vive forte influência dos dogmas judaico-cristãos, este fato leva a muitos familiares esconderem a causa da morte já que lidar com o problema revela uma série de dificuldades sociais.
Os vários pares da vida social também estão muitas vezes envoltos por estigmas e preconceitos que recaem tanto no suicida quanto em sua família. Muitas vezes também se torna impossível a distinção pelo criminalista de ações suicidas das mortes acidentais.No Brasil também ocorrem inadequação de registros.
Todos estes fatores geram uma subnotificação relevante suficientemente para dizer que os casos atuais sempre estarão abaixo da quantidade real e que as políticas públicas adotadas devem sempre ser organizadas vizando uma maior demanda de casos.
Epidemiologia
No Brasil, a quantidade de suicídio não é extremamente alta quando comparada com o restante do mundo, porém, como já mencionado acima os dados são sempre inferiores em relação a realidade e como uma questão de saúde pública eles devem ser estudados.
Os valores apresentados aqui foram trabalhados com dados estatísticos do ano de 2000 até 2010. Ao contrário do que os especialistas do século passado previam, a quantidade de suicídio só aumentou nos últimos anos. Ao todo foram realizados, neste período, 92.319 suicídios em todo o Brasil e a tendência é que este número aumente cada vez mais.
Um dos dados estatísticos que mais assusta os especialistas é a proporção em relação o sexo. Em média, 79% dos suicídios são praticados por homens enquanto apenas 21% se deve ao sexo feminino. Estudos levantam a normatização do comportamento masculino como causa mais ponderante para este dado. De certa forma, ao imputar na imagem masculina obrigações pré-estabelecidas, perde-se em parte a capacidade de escolha e a demonstração de sentimentos e afetos. Entre os meios utilizados para se cometer o suicídio, o mais comum é o enforcamento, seguido de armas de fogo, veneno e intoxicação.
A idade é um marco muito importante no suicídio. Tem-se observado que o número de suicídios aumenta constantemente durante toda a adolescência, e chega na sua quantidade máxima entre 20 e 29 anos. Após os 29 anos, a quantidade de suicídios diminui paulatinamente até os 60 anos, onde retorna a subir. Supõe-se que os jovens, por causa de sua imprudência e por estarem mais engajados no mundo das relações sociais, onde a condição hierárquica depende de premissas pré-estabelecidas cometem mais suicídio. O suicídio em pessoas acima de 60 anos geralmente ocorre após a perda de um cônjuge querido e pelo estigma da família com idosos.
Os Modelos Explicativos
Modelo Sociológico
Este modelo elaborado por Durkheim classifica o suicídio em três tipos diferentes.
No suicídio egoísta e no anômico, a sociedade não está totalmente introjetada nos indivíduos. No tipo altruísta, o indivíduo está em completa comunhão com a sociedade. Portanto, dentro da visão sociológica, a violência auto-inflingida é efeito do grau de interação entre o indivíduo e a sociedade. Em outras palavras, o suicídio é regido por uma força que transcende os indivíduos. Sendo assim, existe uma certa constância na proporção de suicídios em determinados grupos mesmo estando separados por milhares de milhas de distância. Como no caso de jovens, as mudanças que ocorrem como alteração das responsabilidades sociais e a perspectiva rasa sobre o futuro trás uma série de responsabilidades e rigidez que o indivíduo pode preferir por uma desagregação do coletivo. O mesmo acontece com índios que possuem alto risco de suicídio em todo o mundo. Sem dúvida, o núcleo familiar se apresenta como uma fonte de enfrentamento dos estados anômicos, principalmente na adolescência e juventude. A maioria dos jovens suicidas se originam em famílias desestruturadas ou desintegrados. Vale ressaltar que a "desestruturação familiar" nada tem a ver com o tipo de família do indivíduo (Criado pelos avós, cônjugue homoafetivo, adoção, etc) e sim com o perfil dos familiares durante as relações com a sociedade e com o filho. Um ambiente familiar de estigmatização também pode levar a idosos terem ideação suicida.
Modelo Psicológico
O modelo psicológico denuncia o suicídio como fruto de desordens mentais. Sigmund Freud classifica este ato como “uma agressão contra um objeto de amor introjetado, com investimento ambivalente”. É como se o indivíduo projetasse algo que o desagrada no mundo em sí mesmo e a partir deste momento todas as suas expectativas se esvaem. É notório a presença de depressão em pessoas que cometem suicídio. Durante os transtornos depressivos falta-se esperança para/com o mundo e isto torna o suicídio uma válvula de escape para o sofrimento. De maneira anâloga, temos as desordens pós-traumáticas provocadas por perdas e uso abusivo de substâncias pscicoativas, além de álcool. Apesar destes fatores, a queda do humor precisa necessariamente de um estímulo desencadente que culminará na autodestruição. Por conta disto, esta visão também adota a família não apenas como capaz de gerar uma socialização saudável, mas também como facilitadora de um processo autodestrutivo quando não é bem estruturada.
Modelo Nosológico
Este modelo analisa o comportamento suicida como uma patologia derivada de enfermidades específicas. O nexo causal se dá pela diminuição do neurotransmissor serotonina no córtex pré-frontal cerebral. O córtex pré-frontal está envolvido no pensamento crítico e na inibição de alguns reflexos e movimentos inconscientes. Com ele menos estimulado, a racionalidade do ser humano pode ser afetada de tal forma que o juízo crítico sobre o suicídio passa a ser tão maleável que sua concepção se torna fácil.
Outras Considerações
Considerando a complexidade existente na análise da violéncia auto-infringida, ela deve ser caracterizada como multicausal, porém, duas conjecturas básicas estão geralmente presentes:
O Cuidado
Deve-se ficar atento às necessidades específicas da faixa etária de cada indivíduo. Jovens e adolescentes geralmente têm ideações suicidas com origem em crises de identidade, problemas socioafetivos e competição social. Os adultos em dificuldades de desempenho empresarial, social ou familiar. Os idosos suicidam geralmente por causa de doenças crônicas ou estigmas familiares. Deve-se estar atento para que as pessoas que possuem ideação suicida recebam assistência médica devida, facilitação de acesso à serviços de auto-ajuda, suporte familiar, tratamento psiquiátrico ou psicológico com o objetivo de desenvolver a solução de problemas, resolução de conflitos e promover disputas pacificamente.
Mas e Agora?
Apesar das conjecturas do suicídio, o estímulo para que se inicie um processo auto-destrutivo não está presente na pessoa e sim na sociedade. Está nos meios de comunicação, nas interações sociais e nos imperativos da vida cotidiana em que valores medíocres e delirantes são exaltados como o cerne da sociedade ocidental. Um dos valores que trazem forte associação com o suicídio, por exemplo, é o machismo. Isto demonstra que o fenômeno suicida precisa ser abordado interdisciplinarmente e não apenas como um problema individual, de ordem privada. A sua simples análise como apenas uma desordem mental é limitada pois renuncia à sociedade a possível autoria do “crime”. Entende-se portanto que só se cria políticas de combate ao suicídio eficazes uma vez que se promove uma reforma moral na sociedade.
Dr. Lucas Nicolau
Emagrecimento e Performance
CRM 82767
Bibliografia
© Imagem Banner modificada de. Édouard Manet. Le Suicidé. 1877–1881.
© Imagem Banner modificada de. TheAstro. WP - Will You Join Me?. Disponível em <http://theastro.deviantart.com/art/WP-Will-You-Join-Me-33921006>. Acesso em: 24 de fevereiro 2015.
DATASUS, Tabnet, C.9 Taxa de mortalidade específica por causas externas. Acesso em fevereiro de 2015. Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?idb2012/c09.def>.
KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. J.; et all. Compêndio de Psiquiatria Ciências do Comportamento e Psiquiatria Clínica. 9ª ed. Artmed. 2007.
Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília. 2005. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/impacto_violencia.pdf>.
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